Sobre fazeres quilombolas e tramas fandangueiras
Documentários viabilizados pela Bolsa de Produção Crítica em Culturas Populares, da Funarte, são lançados na Cinemateca
Sentimentos e significados sociais que permeiam contextos diferentes e que revelam expressões estéticas da relação homem/natureza. Do Vale do Ribeira ao litoral, os documentários “Quilombolas das Lauráceas” e “Trânsitos Caiçaras em redes fandangueiras” tratam também de fronteiras fluídas que, para além dos limites geopolíticos, constituem relações entre os estados do Paraná e São Paulo. Ambos foram produzidos por meio da Bolsa de Produção Crítica em Culturas Populares, da Fundação Nacional de Artes (Funarte), entre 2010 e 2011, trazendo para a linguagem audiovisual as linguagens destes territórios culturais.
Cosmologias, técnicas e conhecimentos que constituem não apenas objetos do cotidiano, instrumentos musicais e suas próprias moradias, mas também são “ditos” em danças, expressões corporais e sonoridades que articulam as redes de parentesco e formas específicas de organização social. Dos bailes de fandango, em apresentações, festas comunitárias ou casamentos, aos modos de fazer quilombolas, em trançados que criam cestos ou telhados de casa, as pesquisadoras Patrícia Martins, Jandaíra Moscal e Tatiana Kaminski trazem nestes documentários, os dois dirigidos pelo documentarista Flávio Rocha, as maneiras pelas quais estas comunidades produzem transformações e lutam por sua permanência nestes territórios.
A pertinência da temática, pautada pelas interações homem e natureza pela ótica de suas continuidades, faz premente o diálogo não só dos sujeitos, quilombolas e fandangueiros, mas também das instituições que podem auxiliar na promoção da defesa dos direitos culturais destes povos e seus territórios. O lançamento, que acontecerá na Cinemateca de Curitiba, terá como convidados pessoas que representam essas instâncias, bem como contará com breve apresentação de seus realizadores, em uma forma de pensar a produção audiovisual também como ação política.
Quilombolas das Lauráceas
Casas de barro e chão de terra batida, com a estrutura feita em madeira roliça no estilo pau-a-pique, cobertas por sapê e amarradas com cipó. Pilões, monjolos, escascadores e peneiras, instrumentos que auxiliam o dia-a-dia. Canoas de um tronco só que fazem as pequenas travessias nos rios que cortam o sertão. Retrato de um local que abriga muita história e ainda exibe um modo de vida peculiar, que consegue utilizar os recursos ao seu redor para obter o necessário.
As comunidades quilombolas do Vale do Ribeira paranaense conservam esse e outros processos culturais utilizando-se da natureza disposta em seu território. A relação com a floresta em meio a vales montanhosos e de difícil acesso, acontece desde a origem desses grupos, não à toa a região foi escolhida como refugio para negros que escapavam da escravidão. Com a ocupação não planejada do território e as restrições ambientais, o uso dos recursos naturais para a prática do saber fazer quilombola está sendo comprometido.
O extrativismo praticado por comunidades tradicionais é realizado de forma respeitosa, pois bem sabem que dependem desse manejo equilibrado para garantirem o futuro. Acumulam muito conhecimento das matas que merece ser mantido e enaltecido, para a sustentabilidade cultural do território.
O Parque Estadual das Lauráceas é o ponto de partida para uma amostra do diverso conhecimento popular contido no entorno desta porção de Mata Atlântica, onde residem os protagonistas do saber fazer tradicional retratados no documentário. “Parte da história do nosso povo só poderá ser resgatada quando a sociedade respeitar os nossos ancestrais”, diz Nilton Morato, morador de uma das comunidades. Esta afirmação reforça os propósitos deste documentário, que é o de difundir a importância das raízes dos remanescentes culturais do Vale do Ribeira mostrando quem são e como é ser Quilombolas das Lauráceas.
Trânsitos Caiçaras
Em caminhos seguidos por mar ou por terra, em barcos, canoas e carros, de ônibus, motos ou a pé, vários são os trajetos que marcam ostrânsitos caiçaras articulados pelo fandango. A dança, em tempos de outrora considerada “licenciosa”, ainda hoje recria seus laços, de parentesco, compadrio ou vizinhança. E entre permanências e mudanças, outras dinâmicas de circulação agregam-se àquelas consideradas tradicionais. Assim, constituem-se os circuitos de apresentações, bailes e festivais, que tem conectado tocadores e dançadores, jovens e velhos.
A presente pesquisa localiza os trânsitos fandangueiros entre o litoral norte do Paraná e o litoral sul de São Paulo, em suas diferentes dimensões de sociabilidade, daquelas orientadas pelas relações familiares às acionadas pela inserção desta expressão em cenários da produção e circulação artística, em programações culturais e turísticas. Este projeto teve sua pesquisa de campo guiada por passadinhos e bailados, sendo embalada pela sonoridade de rabecas, adufos e violas. Em uma busca permanente, de traduzir em textos – encartados ao DVD - e na linguagem audiovisual os movimentos peculiares do fandango.
No Marujá, Ariri, Juréia, Cananéia, Iguape, Agrossolar, Paranaguá, Ilha do Superagui e Ilha dos Valadares, cidades e suas diferentes localidades exibem, por meio da circulação caiçara, novos traçados de uma mesma geografia. Fronteiras territoriais e políticas assumem dimensões outras, ligando comunidades por meio de interações sociais, através de suas gentes. Em um processo de transformação fortemente marcado pelo surgimento de legislações ambientais que restringem, de maneira dura, a presença humana, as populações que vivem há séculos nesses territórios, tem sido obrigadas à reelaborar seus modos de vida, criando estratégias para sua permanência. Em uma trama onde os trânsitos caiçaras, e o fandango, tem exercido papel determinante.
Serviço:
QUILOMBOLAS DAS LAURÁCEAS
Pesquisa: Jandaira Santos Moscal Moscal e Tatiana Kaminski
Direção: Flavio Rocha
e
TRÂNSITOS CAIÇARAS
Pesquisa: Patricia Martins
Direção: Flavio Rocha
Local: Cinemateca de Curitiba
Rua Carlos Cavalcanti, 1174
data: 7 de maio de 2012 (segunda-feira)
horário: 19hs
Obras realizadas através da Bolsa Funarte de Produção
Crítica em Culturas Populares e Tradicionais 2010.